sábado, 19 de novembro de 2011

TU QUE ME CUIDAS

Que vês tu, tu que me cuidas.
Que vês tu?
Quando me olhas, o que pensas?
Uma mulher velha rabugenta, um pouco tola,
O olhar perdido, que não é nada
Que se baba quando come e nunca responde
Que, quando dizes com uma voz forte "tente"
Parece não prestar nenhuma atenção aquilo que tu fazes
E não deixa de perder os sapatos e as meias
Que dócil ou não, te deixa fazer à tua maneira
O banho e as refeições para ocupar o seu longo dia cinzento
É isto que tu pensas, é isto que tu vês?
Então abre os olhos, não sou eu,
Vou dizer-te quem sou, sentada aí tão tranquila
Deslocando-me às tuas ordens, comendo como tu queres:
Eu sou a última de dez, com um pai e uma mãe,
Irmãos, irmãs, que gostam uns dos outros,
Uma rapariga de dezasseis anos, com asas nos pés.
Sonhando que brevemente encontrará um noivo
Casada já aos vinte anos. O meu coração rejubila de alegria
À lembrança das promessas que eu fiz nesse dia
Tenho já vinte e cinco anos e um filho meu
Que precisa de mim para lhe contruir uma casa
Uma mulher de trinta anos, o meu filho cresce depressa
Nós estamos ligados um ao outro por laços que durarão
Quarenta anos, bem depressa ele não estará mais aqui
Mas o meu homem está a meu lado. Vela por mim
Cinquenta anos, de novo brincam ao pé de mim bebés
Revejo-me com crianças, eu e o meu amado
Eis os dias negros, o meu marido morre,
Olho para o futuro trmendo de medo,
Pois os meus filhos estão ocupados a educar os seus
E penso nos anos e no amor que eu conheci
Já sou velha agora, e a natureza é cruel.
Diverte-se a fazer passar a velhice por tola
O meu corpo definha-se, a graça e a força abandonam-me
E há uma pedra aí onde dantes tive um coração
Mas nesta velha carcaça, a rapariguinha permanece
Cujo velho coração se enche sem descanso
Lembro-me das alegrias, lembro-me das tristezas
E de novo sinto a minha vida e amo.
Repenso nos anos tão curtos e passados tão depressa
E aceito esta realidade implacável em que nada pode durar
Então abre os olhos, tu que me cuidas, e olha.
Não a velha rabugenta.
Olha melhor, tu ver-me-ás!


@ Este poema foi encontrado no espólio duma velha senhora Irlandesa após a sua morte.

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